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Foto do escritorLudmila Ribeiro de Mello

ENTENDENDO “ÁGUA FUNDA” (RUTH GUIMARÃES)


Quem é Ruth Guimarães? (1920 – 2014)

 

Nascida em Cachoeira Paulista-SP, em 13 de junho de 1920, Ruth Botelho Guimarães, além de poeta, romancista, contista, cronista, jornalista e teatróloga e professora de Língua Portuguesa, notabilizou-se como tradutora e pesquisadora da literatura oral no Brasil.  Tornou-se uma das poucas intelectuais negras brasileiras do século XX a ter algum reconhecimento, que só viria de fato no século XXI.

 

Minha formação é totalmente anônima, mergulhada na literatura brasileira, uma literatura sem escolha. Aliás, todos nós brasileiros estudamos literatura de uma maneira desorganizada; a gente lê o que quer, o que gosta, os professores dão um texto aqui, outro ali, nada sistematizado, com um sentido e programação. Quando nós chegamos ao fim, se é que a gente pode dizer ao fim, temos uma espécie de formação mista; assim como somos um povo mestiço, todo cheio de misturas de todo jeito, a nossa literatura também é toda feita de pedaços de textos, de arrumações aqui e ali. Não há nada que nos torne inteiriços, inteiros. Minha literatura é isso também. Eu conto a história da roça, de gente da roça, do caipira. Eu também sou caipira, modéstia à parte. Eu não me importei muito se havia uma tendência, ou se havia uma inclinação para contar a história do preto; como eu também sou misturada, o meu livro é misturado. Como eu sou brasileira, nesse sentido de brasileiro todo um pouco para lá, um pouco para cá, o meu livro também é assim, um pouco para lá, um pouco para cá. (...)       (Ruth Guimarães, 2007)

         

 

 

Contexto histórico-literário: O Regionalismo Brasileiro

 

           A literatura brasileira sempre sofreu forte influência daquela produzida na Europa, principalmente até o século XIX, quando temos o apogeu do Romantismo. Contudo, é de fato, apenas no século XX, durante o Modernismo que a literatura brasileira ganha ares verdadeiramente nacionais.

Neste sentido, o regionalismo na literatura é uma corrente da segunda fase do Modernismo Brasileiro que prega o genuinamente nacional, uma vez que ele é criado com o intuito de apresentar valores específicos de culturas locais do Brasil e é ligado diretamente a grupos sociais que vivenciam suas respectivas regiões. Uma das principais características é a apresentação do clima, costumes e gírias locais.

          A obra Água Funda é escrita durante este contexto literário e traz em si muitas dessas características regionais impregnadas em suas histórias.

 

“Água Funda” (1946) – sinopse

 

O romance é dividido em 15 capítulos, nos quais se conta duas histórias principais interligadas entre si e situadas na fazenda Olhos d’Água, na região rural do Vale do Paraíba, em São Paulo.

Nos primeiros quatro capítulos, narra-se a história, em meio aos anos finais da escravidão, de Sinhá Carolina, rica proprietária de uma fazenda escravocrata, cuja filha – Sinhazinha Gertrudes – apaixona-se pelo capataz e foge da propriedade. No restante dos capítulos, conta-se a história de Joca e Curiango, 50 anos depois. O fio condutor se estabelece a partir de Curiango, neta de Miro, irmã de Sinhá Carolina. Nesse segundo núcleo da narrativa, Joca gradativamente conquista o amor de Curiango, porém, depois de se casar, passa a ter o que o narrador chama de “ataques”. Devido aos surtos e à crescente obsessão por uma entidade lendária chamada de “Mãe de Ouro”, ele abandona a mulher e torna-se um andarilho da região.

           

 

O que observar? – nas palavras da própria autora

 

Água funda é um livro engraçado, livro da vida de todos os dias, é um livro de “acontecências”. Qualquer vida dá uma água funda, qualquer um de nós escreve um diário e conta aquelas coisas de todos os dias e vai sair uma água funda. Porque a verdade do livro, alegria, o que o livro tem de bom, de literário, é que ele é um livro de todos os dias, que acontece na vida de cada um. A gente procura o que tem na Água funda; nada, nem água. Claro, eu aprendi português em primeiro lugar, que é uma coisa que eu receito para os neo-escritores: que façam o favor de aprender português em primeiro lugar para depois escrever sua água funda. Estou sempre brigando por isso, aliás, eu sou professora, sou pela competência; se alguém vai escrever um livro, que leia os bons autores, que estude os bons autores, que assista aos bons filmes, que converse com gente que sabe falar, que viva a sua vida bastante e bem. Viva a vida completamente. Emocionalmente a pessoa tem que estar apta.

(Depoimento concedido ao seminário "Encontro de Gerações", promovido pelo Museu Afro Brasil, em 2007. In: Ruth Guimarães assume vaga na Academia Paulista de Letras, aos 88 anos).

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